O conceito de rede colaborativa local
Fabio Ribas Jr. | 18.5.2007
Fonte: http://prattein.publier.com.br/texto.asp?id=151
Naquele que pode ser considerado um dos estudos mais profundos até aqui produzidos sobre o significado e a importância do fenômeno das redes na sociedade contemporânea, Castells afirma: “Redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades, e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura. Embora a forma de organização social em redes tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da tecnologia da informação fornece a base material para sua expansão penetrante em toda a estrutura social. Além disso, eu afirmaria que essa lógica de redes gera uma determinação social em nível mais alto que a dos interesses sociais específicos expressos por meio das redes: o poder dos fluxos é mais importante que os fluxos do poder. A presença na rede ou a ausência dela e a dinâmica de cada rede em relação às outras são fontes cruciais de denominação e transformação de nossa sociedade: uma sociedade que, portanto, podemos apropriadamente chamar de sociedade em rede, caracterizada pela primazia da morfologia social sobre a ação social”. (1)
A Rede Colaborativa Local se define como um processo de captação, articulação e otimização de energias, recursos e competências, capaz de gerar um sistema de relacionamentos que organiza indivíduos e instituições de forma igualitária, em torno de um objetivo ou agenda comum de caráter público.
Assumindo a lógica das redes, a rede colaborativa se reveste do potencial revolucionário apontado por Castells, mas busca, todavia, canalizar o 'poder dos fluxos' para o alcance de finalidades sociais que justificam a sua criação: por exemplo, a melhoria das condições de vida de crianças e adolescentes. Neste caso, a rede colaborativa assume o caráter de rede ativa, comprometida com mudanças sociais locais.
Alguns significados da Rede Colaborativa Local estão contidos na seguinte definição: “Redes são sistemas organizacionais capazes de reunir indivíduos e instituições, de forma democrática e participativa, em torno de objetivos e/ou temáticas comuns. Estruturas flexíveis e cadenciadas, as redes se estabelecem por relações horizontais, interconexas e em dinâmicas que supõem o trabalho colaborativo e participativo. As redes se sustentam pela vontade e afinidade de seus integrantes, caracterizando-se como um significativo recurso organizacional, tanto para as relações pessoais quanto para a estruturação social”. (2)
A RITS - Rede de Informações do Terceiro Setor (3) - define três categorias de redes: 1) redes temáticas - que se organizam em torno de um tema, segmento ou área de atuação das entidades e indivíduos participantes; 2) redes regionais - que têm em uma determinada região ou sub-região o ponto comum de aglutinação dos parceiros; 3) redes organizacionais - que congregam instituições autônomas filiadas (federações, associações de entidades etc.) ou organizações autônomas e/ou dispersas territorialmente.
A Rede Colaborativa Local contém os atributos dos três tipos de rede acima citados: 1) possui um foco temático (questões da área da criança e do adolescente); 2) sua base territorial é um município; 3) seus agentes são as organizações que atuam no espaço local. Desta forma, a Rede Colaborativa Local adquire a dimensão mais ampla de rede organizacional orientada para a ação e interessada na melhoria das condições de vida da população em uma comunidade geográfica definida. Sua característica central é colaboração participativa estruturada para promover mudanças sociais.
O processo de formação de redes colaborativas envolve a busca de superação de interesses corporativistas, de relações de dependência e da tradição hierárquica e clientelista que ainda marcam as relações sociais e intersetoriais, sobretudo no nível municipal. Redes abertas permitem que as informações possam ser compartilhadas por todos, sem canais reservados, e favorecem a formação de uma cultura de cooperação que fortalece, ao mesmo tempo, a autonomia dos participantes.
As redes funcionam melhor se, entre seus membros, se aprofunda a colaboração, a solidariedade, a transparência e a co-responsabilidade. A construção de redes colaborativas envolve um processo de aprendizado que, gradativamente, possa superar: - A tendência a uma atuação mais baseada no esforço e no sucesso individuais do que na cooperação e valorização dos resultados obtidos conjuntamente. - A tendência de trabalhar para e não com a comunidade, derivada da cultura assistencialista ainda predominante em boa parte das empresas, entidades sociais e órgãos governamentais. - A tendência de se procurar as causas dos problemas unicamente em fatores externos ao município e de subestimar os recursos e potencialidades locais como fontes de solução para os problemas. - A tendência de que as ações da rede sejam anexadas ou subordinadas aos interesses de organizações tradicionalmente dominantes no município, ou de que se busque uma integração automática das ações ao invés de uma articulação que possa garantir o efetivo crescimento coletivo.
Para tanto, a Rede Colaborativa Local deve operar segundo um modelo de ação comunicativa e compartilhada, na qual “o poder resulta da capacidade humana não somente de agir ou de fazer algo, como de unir-se a outros e atuar em concordância com eles” (4). Este modelo de ação se contrapõe ao modelo instrumental de gestão e tomada de decisão, que se baseia essencialmente na manipulação de meios ou no uso de sanções que possam influenciar o comportamento alheio. Enquanto no modelo instrumental os agentes, via de regra, competem num determinado espaço social ou mercado com vistas ao próprio sucesso, no modelo comunicativo e compartilhado os participantes estão orientados para alcançar consensos de forma não-coercitiva. Contrapondo-se aos modelos baseados em relações impositivas, algumas definições de rede falam na importância da criação de relações horizontais entre os agentes. Porém, a atuação em rede colaborativa requer um tipo de interação e comunicação que pode ser mais bem denominada como “transversal”.
A comunicação transversal se opõe quer à verticalidade dos contatos regulados por posições hierárquicas ou status privilegiados socialmente adquiridos (que reproduzem relações de subordinação e obediência), quer à horizontalidade dos contatos que se desenvolvem pela mera coexistência num espaço comum (que não criam novos vínculos capazes de transformar a realidade). A transversalidade tende a se realizar “quando uma comunicação máxima se efetua entre diferentes níveis e, sobretudo, nos diferentes sentidos” (5), ou seja, quando a comunicação é uma busca conjunta de compreensão do significado e da importância que os diferentes agentes atribuem aos objetivos que justificam sua participação na rede.
Operada segundo os princípios do diálogo e da busca do consenso em torno de prioridades coletivamente estabelecidas, a Rede Colaborativa Local deve atender fundamentalmente a três exigências: - Legitimidade: constituir-se como uma rede de nítido caráter público e compromisso com a busca de melhores condições de desenvolvimento para crianças e adolescentes, aberta à participação de todos os setores, orientada para cooperação e promoção do bem-comum, disposta a exercer uma ação articulada à do Estado e a disseminar, de forma ampla, transparente e eqüitativa, as informações e recursos que puder mobilizar. - Efetividade: conseguir extrair todas as implicações positivas do conceito de rede, evitando a burocratização das suas atividades, mobilizando e sustentando constantemente parcerias e garantindo a otimização de recursos e o seu direcionamento eficaz. - Sustentabilidade: estabelecer-se como processo permanente e auto-regulado de mobilização, garantindo a preservação da identidade dos agentes no processo de construção da rede, organizando um mecanismo adequado de coordenação e reposição das suas atividades.
Notas:
(1) Castells (1999).
(2) Olivieri (2002).
(3) www.rits.org.br
(4) Arendt (1970).
(5) Guattari (1985).
Bibliografia citada:
ARENDT, H. Poder e violência. Munique, 1970.
CASTELLS, M. A sociedade em rede (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v. 1). São Paulo: Paz e Terra, 1999.
GUATTARI, F. Revolução molecular. São Paulo: Brasiliense, 1985.
OLIVIERI, L. A importância histórico-social das redes. In: Manual de redes sociais e tecnologia. São Paulo: CONECTAS/Friedrich Ebert Stiftung, 2002.
(Texto originalmente escrito pelo autor para o projeto “Rede Colaborativa Sabará”, elaborado pela Prattein)
Fonte: http://prattein.publier.com.br/texto.asp?id=151
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